Nomes de marcas não são cubos de Rubik
Dizem que mil palavras não chegam para descrever uma imagem. E um nome de uma marca não é mais do que a síntese de uma imagem, numa palavra.
Entro na sala do Daniel e vejo-o colado no ecrã a despejar linhas de código. Sem dizer nada, pego no Rubik que ele mantém resolvido sobre a mesa e desfaço-o. Duas, três, e outras tantas voltas até que as cores se misturem, dificultando um rápido e simples retorno à sua forma resolvida. Não o fiz por maldade. Apenas para atiçar o instinto OCD que sei que ele tem e que sei que fará com que nada mais faça antes de voltar a ter o cubo de Rubik resolvido sobre a mesa. No sítio de sempre. Como estava e como sempre deveria estar. Sem tirar os olhos do monitor, o Daniel ri-se revirando os olhos com ar de condescendência pela inocente partida. Pega no cubo e revira-o, centra-o no corpo das mãos deixando que os dedos desferissem a dança ao som mecânico e ritmado, típico de um Rubik a reencontrar à sua forma original. 2 minutos e o cubo estava resolvido. O momento de descontração cumprido e voltamos ao trabalho.
Dois dias passaram e liga-me a Vera. Uma potencial cliente que gostaria de ter uma proposta de naming para a marca da sua empresa e para os seus produtos. Explica-me entusiasticamente o contexto do projeto revelando na voz a angustia de não ter um nome que corporize a ambição que tem para o seu projeto. A empatia quanto ao propósito e vontade para desenvolver o projeto era total mas a minha disponibilidade de tempo era nenhuma. Agradeceu a conversa e despediu-se com um “quem sabe no futuro…”
No momento em que desligo o telefone, procuro desligar-me daquele cubo de Rubik que a Vera me deixou desarranjado na parte detrás da cabeça. Um projeto que tem tudo certo para dar certo, aparentemente desfeito pela falta de um nome e de um conceito que complete e corporize o sonho e a ambição de quem o terá de executar. Tal como o Daniel, também sofro de OCD o que, no meu caso, se define por Obsessive Creative Disorder. E não poderia deixar aquele cubo daquela forma. Não sem antes tentar resolvê-lo.
Um cubo de Rubik é composto por seis faces; seis diferentes cores; nove quadrados por face e cinquenta e quatro pequenos quadrados por cubo. E isto é apenas o que os olhos leigos de quem não domina a arte do Rubik consegue vislumbrar. No caso de um nome, ele é composto por uma sequência de letras de um alfabeto. Se for o mesmo usado neste texto considerem-se então vinte e três letras: cinco vogais e dezoito consoantes. Por vezes números, se quisermos ser absurdamente “CR3AT1V05”. Melhor não. Fiquemo-nos pelas letras. E não será pouco se imaginarmos todas as combinações possíveis de letras que, juntas, produzem um som legível, pronunciável e inteligível. Precisaríamos de uma calculadora com um Daniel por perto que a soubesse manusear para determinar o número preciso que perfaz todas as combinações possíveis de letras que determinam um nome. Mas não será preciso encontrar esse número porque o que verdadeiramente procuramos num nome é uma palavra.
Portanto, regressemos às palavras.
É o que inicia o discurso de uma venda. A narrativa de uma história sobre algo que queremos tangível e, ao mesmo tempo, transcendente. O que faz com que “Nike” seja mais do que desporto, que a “Apple” suplante a ideia de tecnologia ou mesmo que “Google” seja verbo e sinónimo de acesso à informação.
E então um nome de marca torna-se mais do que uma palavra: torna-se uma ideia plural de significado e de significância: uma abstração objetificada que inverte o jogo de forças entre a palavra e a imagem, fazendo com que 1000 imagens não sejam suficientes para ilustrar a palavra certa para um bom nome de marca.
E como se cria um nome? O que o define? Como se ultrapassa a impossível tarefa de escrutínio de todas as possibilidades viáveis? Provavelmente não existirá resposta definitiva para estas questões. Criatividade, pensamento estratégico e uma paixão pela vertigem de resolver a folha em branco serão certamente precisos, como necessário será o raciocínio lógico-dedutivo para quem quer dominar o cubo de Rubik. O que sei é que, tal como o Daniel, também eu não consegui deixar este cubo sem pelo menos tentar resolvê-lo.
5 dias passaram e ligo à Vera: “Tenho uma boa e uma má notícia”. A má notícia é que não consegui afastar-me do desafio de criar um nome para o seu projeto. A boa notícia é que penso que o encontrei e gostaria de o apresentar, se ainda for do seu interesse”. Na madrugada do dia seguinte a Vera apanha um comboio do Porto para Lisboa, para durante um almoço improvisado, conhecer a proposta de nome. Não era simples, a solução que lhe oferecia. Uma palavra nova. Um som que, embora carregado de significado era, ainda assim, inexistente enquanto palavra. A estranheza inicial transformou-se em aparente aceitação para, 2 dias depois, terminar em aprovação. A palavra encontrada alinhou com uma visão estratégica de construção de marca, mas também permitiu vislumbrar novos horizontes de negócio por explorar. Um bom nome também nos dá isso.
Pode parecer um paradoxo mas é difícil colocar por palavras o processo de criação de um nome.
Não conheço nenhum método infalível ou fórmula mágica para o conseguir porque o caminho de um nome não determina o caminho que seguiremos para conseguir outro nome. Não existe ciência envolvida na sua criação. Não há “reverse engineering” possível de ser feito para determinar fórmulas ou padrões base para a sua execução. E, ao contrário do Rubik, não existe nunca o momento em que temos a certeza de ter o puzzle completo. Apenas a experiência nos permitirá ganhar a convicção de que fizemos todos os movimentos estratégicos e criativos possíveis para encontrar um nome que, no final, se encaixe na perfeição com o propósito esperado. E então, quando essa plenitude acontece, fazemos com o nome o que o Daniel faz com o cubo: colocamo-lo resolvido sobre a mesa, com o sentimento pleno do dever cumprido.
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